Durante quase toda a história como seres humanos, nossa preocupação recaiu sobre as doenças infecciosas (p. ex., tuberculose e pneumonia) como as principais causadoras de morte no mundo. Com o avanço da ciência e a descoberta de antídotos específicos (p. ex., antibiótico e vacina) para cada uma delas, juntamente com o avanço da tecnologia, nos últimos 100 anos, o foco passou a ser direcionado para as doenças crônicas degenerativas, entre as quais, se destacam o câncer e as doenças cardiovasculares. Em um relatório produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) de 2017, as quatro principais causas de morte no mundo foram as doenças cardiovasculares (31,8%), câncer (17,08%), doenças respiratórias (7%) e Infecções de vias aéreas inferiores (4,57%).
Eis que chegamos em um ponto da nossa história em que as duas principais causas de morte da história da humanidade (doença infecciosa x doenças crônicas degenerativas) se misturam. Uma doença infecciosa (vírus), ainda sem antídoto (vacina), que eleva o seu potencial de risco quando encontra um corpo idoso e com essas comorbidades. O resultado da pandemia é toda essa loucura que estamos vivendo nos últimos meses, com quase 6 milhões de pessoas infectadas e, aproximadamente, 350 mil mortes no mundo, até o momento em que escrevo esse artigo (27/05/2020).
Mas e agora Igor? O que fazer? Já está cientificamente comprovado e não se discute mais que a prática regular de exercício físico resulta em inúmeros benefícios à saúde. Além de promover melhora na capacidade de resistência física de uma forma geral (força e resistência muscular, aptidão cardiorrespiratória e flexibilidade), o exercício físico promove outros benefícios que são de suma importância nesse período que estamos vivendo, tais como: melhora do sistema imune, da composição corporal, do controle da diabetes e outras doenças cardiovasculares, incluindo a hipertensão.

Tendo isso em vista, até o momento, a forma mais segura de você passar por essa pandemia de uma forma segura é não se infectar com o vírus e estar com o seu corpo fortalecido e preparado caso a 1° opção não dê certo (sim, temos que pensar nessa possibilidade). O objetivo desta sequência de textos é explicar o potencial de ajuda que a prática regular de exercício físico pode exercer no combate a COVID-19. Mas primeiro, no texto de hoje, precisamos entender como esta doença atua no nosso corpo.
Covid-19 é mais que pneumonia; é uma endotelite
Por ser uma doença infecciosa nunca vista antes, os estudos sobre a COVID-19 ainda são muito incipientes. Por isso, é essencial entendermos que ainda estamos em fase de aprendizagem sobre esse novo vírus e que a todo momento são feitas publicações científicas com novas informações, que mudam tudo que se sabia até o momento. O que se sabe até o agora, é que a COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, o qual apresenta um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves.

Uma equipe interdisciplinar do Hospital Universitário de Zurique (HUZ), na Suíça, descobriu que mais do que uma doença respiratória, a Covid-19 pode ser caracterizada como uma endotelite, uma doença do endotélio (camada celular que reveste interiormente os vasos sanguíneos e linfáticos). Os pesquisadores publicaram em abril, um estudo na revista médica Lancet demonstrando que o novo coronavírus SARS-CoV-2 atinge diretamente o sistema de defesa do corpo através dos receptores da Enzima Conversora de Angiotensina 2 (ECA2) encontrados no tecido endotelial. Por isso, a Covid-19 se manifesta sobretudo nos pulmões, órgãos hiper-vascularizados que servem de porta de entrada para o vírus, mas pode atacar qualquer outro órgão: coração, rins, intestinos, cérebro e pele. Portanto, o pulmão é o principal “campo de batalha”, mas não o único.

De forma bem resumida, a enzima conversora de angiotensina (ECA) é responsável pela regulação da pressão arterial dentro do Sistema Renina-Angiotensina. Enquanto a última faz vasoconstrição e consequente aumento da pressão arterial, a ECA2 promove a vasodilatação e diminui a mesma. Dessa forma é feita a regulação do Sistema Renina-Angiotensina, que é responsável, especialmente, pelo controle do volume de líquido extracelular e da pressão arterial.

Já está amplamente divulgado que as pessoas com doenças crônicas têm mais chances de serem infectadas pela Covid-19. Isso pode ser explicado pelo fato de o gene ACE2 geralmente ser mais expresso em pacientes com doenças crônicas como hipertensão, diabetes e outras doenças cardiovasculares, o que as torna mais suscetíveis a infecção pelo novo coronavírus. Além disso, o uso de medicamentos inibidores da ECA e dos bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), comumente usados por pacientes com diabetes e hipertensão, pode resultar em um aumento ainda maior da expressão de ACE2 devido a um mecanismo compensatório.

Por meio das autópsias, os patologistas do HUZ confirmaram que os pacientes não sofriam apenas de uma inflamação dos pulmões, mas de uma inflamação de todo o tecido endotelial em diversos órgãos. No estudo, a patologista Zsuzsanna Varga usou um microscópio eletrônico para verificar pela primeira vez que o novo coronavírus está presente e causa necrose celular do tecido endotelial. “Vimos o novo coronavírus na célula e as consequências imediatas do dano endotelial, causando hipercoagulabilidade e trombose,” destaca Holger Moch, patologista do HUZ.

Na prática, o endotélio é a camada celular que atua como um escudo protetor dos vasos sanguíneos e regula e equilibra vários processos nos microvasos. A interrupção desse processo regulatório pode, por exemplo, causar distúrbios circulatórios nos órgãos e tecidos do corpo humano, resultando na morte de células, tecidos e órgãos. As consequências podem ser graves distúrbios microcirculatórios que danificam o coração, desencadeiam embolias pulmonares, oclusões vasculares no cérebro e no trato intestinal e, inclusive, falência múltipla de órgãos e morte.

Foge do escopo desse artigo falar de todas as estratégias para o combate a COVID-19, mas sabemos que a mesma precisa ser abrangente e multidisciplinar, um verdadeiro trabalho em equipe. Da nossa parte, enquanto profissionais de Educação Física, devemos deixar as pessoas cientes dos benefícios do exercício físico. “Sabemos claramente que o exercício físico melhora a função do endotélio. Se você vive uma vida saudável, seu endotélio será saudável enquanto você envelhece. Este é o começo das estratégias para a terapia” indica Frank Ruschitzka, diretor de departamento de cardiologia do HUZ.

Mas como isso acontece, Igor? A partir dos próximos textos, nós faremos uma correlação de como o exercício físico ajuda na melhora do sistema imune, no controle da diabetes, da composição corporal (massa gorda x massa magra), da hipertensão, entre outras doenças cardiovasculares. Ou seja, todas estas comorbidades que elevam o potencial de risco da COVID-19. Fiquem ligados e boa leitura!