Olá queridos, continuando a nossa série de textos que tratam dos benefícios da prática regular de exercício físico no combate a COVID-19, hoje falaremos um pouco de como essa ferramenta pode ser utilizada para melhorar o nosso sistema imunológico, que é peça fundamental no combate a todos os tipos de doenças infecciosas. Vamos entender primeiro como o sistema imune funciona?

O sistema imune é um sistema homeostático essencial, que reconhece, ataca e destrói agentes estranhos presentes no corpo. Essa atuação sem dúvida é importante, pois o corpo é constantemente atacado por agentes estranhos (p. ex., bactérias, vírus e fungos) causadores de infecção. Ao proteger o corpo contra infecções, o sistema imune exerce papel fundamental na manutenção da homeostasia corporal. Como o exercício, entre outros estresses (p. ex., estresse emocional, insônia, etc.), comprovadamente influencia o sistema imune, é importante compreender a relação existente entre o exercício físico e o sistema imune.

O sistema imune humano é um sistema complexo redundante, destinado a nos proteger contra os patógenos invasores. Um sistema imune saudável requer o trabalho em conjunto de duas camadas de imunoproteção: o sistema imune inato e o sistema imune adquirido.

O sistema imune inato constitui a primeira linha de defesa contra os invasores estranhos e é composto por três componentes principais: (1) barreiras físicas, como a pele e as membranas mucosas que revestem nossos tratos respiratórias, digestivo e geniturinário; (2) células especializadas (p. ex. fagócitos, e células natural killer) projetadas para destruir invasores; e (3) um grupo de proteínas denominadas sistema completo, encontrado em todo o corpo e que confere proteção contra os invasores.

O sistema imune adquirido adapta-se para conferir proteção contra quase todo tipo de patógeno invasor. O propósito primário do sistema imune adquirido é conferir proteção contra vírus que o sistema imune inato é incapaz de proporcionar. As células B e T são as principais células envolvidas no sistema imune adquirido. As células B produzem anticorpos, enquanto as células T são especializadas no reconhecimento e na remoção dos antígenos do corpo.

Em comparação à maioria das áreas de pesquisa sobre fisiologia do exercício, a área de exercício e sistema imune é um tópico de estudo relativamente novo. Entretanto, o interesse pelo campo da imunologia do exercício tem crescido rapidamente ao longo das últimas década, e sem dúvidas, deve dar um boom com esse período de pandemia.

O conceito de que o exercício físico pode produzir efeitos tanto positivos quanto negativos sobre o risco de infecção existe há um pouco mais de duas décadas. Essa ideia foi introduzida pelo dr. David Nieman, ao descrever o risco de Infecção do Trato Respiratório Superior (ITRS) como uma curva em forma de “J” que mudava em função da intensidade e da quantidade de exercício realizado.

Observe que, na figura acima, as pessoas engajadas na prática regular de exercício moderado apresentam menor risco de ITRS, em comparação aos indivíduos sedentários e às pessoas envolvidas em prática de sessões de exercícios intenso e/ou prolongados. Então Igor, eu que costumo praticar exercícios mais vigorosos devo me preocupar? Relaxa, porquê nós vamos mergulhar um pouco melhor nesse assunto.

O exercício aeróbico moderado protege contra a infecção.  Muitos estudos sustentem o conceito de que as pessoas engajadas em séries regulares de exercício aeróbico moderado ficam menos resfriadas do que indivíduos sedentários e as pessoas engajadas na prática de exercícios de alta intensidade/longa duração. Por exemplo, estudos epidemiológicos e randomizados relatam de modo consistente que o exercício regular resulta em uma redução de18 a 67% do risco de ITRS (Glesson, 2007). De uma forma geral, parece que 20 a 40 minutos de exercício de intensidade moderada (40 a 60% do VO²máx) são adequados à promoção de um efeito benéfico sobre o sistema imune.

A explicação do motivo pelo qual o exercício de intensidade moderada confere proteção contra ITRS continua sendo um tópico de discussão, ainda mais agora. Não obstante, existem vários possíveis motivos para explicar por que o exercício diminui o risco de infecção. Primeiramente, cada série de exercício aeróbico moderado causa aumento das concentrações sanguíneas de células natural killer, neutrófilos e anticorpos. Dessa forma, séries regulares de exercícios proporciona um reforço positivo tanto para o sistema imune inato (células natural killer e neutrófilos) quanto ao sistema imune adquirido (anticorpos). Outros fatores possivelmente também contribuem para o impacto positivo da prática rotineira de exercícios sobre o risco diminuído de infecção. Por exemplo, as pessoas engajadas na prática de exercício regular também podem ser beneficiadas por uma sensação psicológica de bom estar intensificada (menos estresse emocional), bom estado nutricional e estilo de vida adequado (p. ex. sono adequado). Cada um desses fatores está associado ao risco diminuído de infecção e, portanto, também podem representar uma conexão entre o exercício regular e o menor risco de ITRS.

Mas Igor, você falou sobre o treino aeróbico, mas e o treino de resistência? Ainda não foi esclarecido se o treino de resistência confere o mesmo nível de proteção contra infecções. Isso ocorre porque poucos estudos investigaram sistematicamente o impacto do exercício de resistência sobre a função imunológica. No entanto, com base nas evidências disponíveis, parece que uma série intensa de exercícios de resistência produz um aumento transiente no número de células natural killer (Miles et. al., 2002). Em resumo, parece possível que séries regulares de exercícios de resistência confiram proteção contra infecções, mas pesquisas adicionais se fazem necessárias para estabelecer firmemente que o exercício de resistência isolado é eficaz em termos de proteção contra infecções.

O exercício aeróbio de alta intensidade/longa duração aumenta o risco de infecção. Mas calma aí você que gosta de treinar intenso, leia até o final. A ideia de que os atletas (eu falei ATLETASengajados em treinos intensos são mais suscetíveis às infecções é oriunda de relatos pouco confiáveis de técnicos e atletas. Exemplificando, o maratonista Alberto Salazar relatou que teve 12 resfriados nos 12 meses em que treinou para a maratona olímpica em 1984. Como Salazar estava engajado em um treinamento físico intenso, muitas pessoas concluíram que o alto nível de treinamento foi o responsável por esse número aumentado de resfriados. Entretanto, relatos pouco confiáveis não provam causa nem efeito, e por isso houve a necessidade de realizar estudos científicos para determinar se o treinamento físico intenso resultou em aumento do risco de infecção.

Em geral, muitos estudos (Gleeson, 2007; Nieman, 2007) sustentam o conceito de que os atletas engajados em treinamento de resistência intensivos apresentam maior incidência de ITRS, em comparação aos indivíduos sedentários ou àqueles que se engajam na prática regular de exercícios moderados. Na verdade, o risco de desenvolvimento de ITRS é duas a seis vezes maior em ATLETAS no período subsequente a uma maratona, em comparação ao observado na população em geral.

Existem diversos motivos pelos quais o exercício de alta intensidade e longa duração promove aumento do risco de infecção. Primeiro, o exercício prolongado (maior que 90 minutos) e intenso produz um efeito depressivo temporário sobre o sistema imune. Após uma maratona, por exemplo, a função imunológica sofre as seguintes alterações significativas:

– Concentração sanguíneas diminuídas de células B, células T e células natural killer;

– Diminuição da atividade das células natural killer e da função das células T;

– Diminuição da fagocitose nasal realizada por neutrófilos;

– Diminuição dos níveis nasais e salivares de IgA (imunoglobinas salivares);

– Aumento das citocinas pró e anti-inflamatórias.

            De forma coletiva, essas alterações resultam na depressão da capacidade do sistema imune de defender o corpo contra patógenos invasores. Argumenta-se que essa imunossupressão subsequente a uma maratona cria uma “janela aberta”, durante a qual os vírus e bactérias podem conseguir um ponto de apoio, e que aumenta o risco de infecção.

O motivo biológico que explica porque o exercício com alto volume/ intenso promove imunodisfunção provavelmente está relacionado com os efeitos imunossupressores dos hormônios do estresse, entre os quais se destaca o cortisol. O exercício extenuante resulta em aumentos significativos dos níveis circulantes de cortisol. Foi relatado que níveis altos de cortisol deprimem a função do sistema imune de vários modos (Gleeson, 2006). Exemplificando, níveis de cortisol elevados podem inibir a função de citocinas especificas, suprimir a função das células natural killer e deprimir tanto a produção como a função das células T (Nieman, 1997).

Embora o exercício extenuante possa inibir a função imunológica, existem outros fatores que também contribuem para o risco aumentado de infecção entre os atletas engajados em treinamentos intensivos. Esses atletas, por exemplo, também podem se expor a outros agentes potencialmente estressores, como falta de sono (opá Igor! Esse problema eu também tenho), estresse mental (quem aí está com a carga de trabalho maior nesse período de quarentena levanta a mão!), exposição aumentada a patógenos em consequência de grandes aglomerações de pessoas (evite aglomerações!!) e dieta inadequada à sustentação da saúde imunológica (quem aí não chutou o pau da barraca nesse período de quarentena?). Cada um desses fatores foi relatado como exercendo um impacto negativo sobre a função imune e, portanto, capaz de contribuir para incidência aumentada de infecção virais.

Por fim, um treinamento físico de alta intensidade e duração de algumas semanas resulta em um estado CRÔNICO de imunossupressão? A resposta é NÃO, uma vez que após uma série intensa de exercícios, o número e a função dos leucócitos retornam aos níveis pré-exercício em cerca de 3 a 24 horas, dependendo da intensidade do treino.

Mas Igor, você deu exemplos de atletas e eu não sou atleta. ÓTIMO! Então deixe de paranoia e siga o seu programa de treino normalmente. A maioria dos estudos que tratam sobre exercício físico e imunidade foram feitos com atletas, que possuem cargas de treinamento fora da realidade de um ser humano comum. Portanto, se você já era um indivíduo treinado, continue com a mesma intensidade do seu programa de treino. Caso você seja sedentário e queira ingressar num programa de exercício físico, o início do programa deve ser adaptado a sua condição física atual. Um bom profissional de Educação Física não irá te expor a treinos intensos no início de um planejamento. E como eu sei se um programa de treino é leve, moderado ou intenso? Aí você precisará da ajuda de uma equipe experiente e qualificada. Deixa a Bliss te ajudar a cuidar da sua saúde?